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terça-feira, 20 de março de 2012

VENTO LEVANDO OUTONO (Crônica)

VENTO LEVANDO OUTONO

                          Rangel Alves da Costa*


O outono já estava dando os seus últimos suspiros. Desde o seu início que o parque havia sofrido imensa transformação no arvoredo. As cores entristecidas começaram a chegar e a devastar a seiva verde, fragilizando as plantas, as folhas, fazendo as flores e suas cores e aromas desaparecerem. Ainda bem que tudo já estava no seu final.
Um minuto. O vento avançou ao longe, por detrás das montanhas, procurou passagem pelos lados e por cima dos cumes e continuou seu destino. Não estava na sua calma de sempre, mas também não era voraz como deveria ser naquele instante. Nesse momento geralmente se fazia mais forte para levar de vez as últimas folhagens que ainda se sustentavam nos galhos e outras que se espalhavam mortas pelo chão. Sabia que não precisava ser assim, pois um leve sopro já bastava para fechar a cortina daquela estação. E um minuto após já estava de frente ao arvoredo.
Dois minutos. Com a aproximação do vento, e mesmo que a sua aragem ainda não as tivesse alcançado, verdade é que as árvores, as galhagens, os gravetos e as folhagens, já pressentem as consequencias do momento seguinte. Daí que primeiro as folhagens se sentem como que arrepiadas, tomadas de calafrios, de sintomas que fragilizam ainda mais os corpos já sem seiva, sem força e sem cor. No rosto pálido de cada folha, num semblante desfalecido acinzentado, ocre, de um marrom esbranquiçado já carcomido, somente o fechar os olhos para esperar a mão do vento. E quando chega é como se puxasse cada uma de seu galho e a dispusesse solta no ar, ao sabor do voo sem norte.
Três minutos. Com a passagem do vento as árvores ficam desnudas, parecendo mais magras e ossudas, com seus braços finos descobertos do verde reluzente e dançante que todos conhecem. As folhas foram levadas dali e ficou apenas o espanto de se ver de repente sem as vestes mais bonitas que o corpo da natureza estava acostumado a vestir. Instantes atrás, mesmo que já fossem poucas as folhas que insistiam em continuar por ali, ao menos existia a impressão de velhos habitantes em casarões sombrios. Mas agora nem isso, apenas uma paisagem triste, um vazio em meio e por cima das árvores e o medo que sempre surge de que tudo pudesse continuar assim. O outono é belo, mas é triste e assustador.
Quatro minutos. As folhas secas e mortas vagueiam pelo ar numa dança de solidão e despedida. O tapete ocre no chão, perto do tronco das árvores, seguindo pelos canteiros, correndo atrás dos bancos e espalhando-se por todo lugar, também foi varrido pelo sopro fatal da estação. Até que era bonito se ver o chão tomado por folhas caídas, movendo-se lentamente aos sopros despretensiosos que chegavam e estalando-se ritualisticamente debaixo de cada pé que passava por cima. O pintor aproveitava aquele cenário de desilusão e pintava suas telas intituladas “Era uma vez no outono”. O poeta encontrava inspiração em cada folha seca, em cada cor e semblante, e escrevia sobre a morte e o renascimento. Mas a verdade é que agora já não existiam mais folhas por ali, já haviam partido sem adeus e deixando um vazio a ser necessariamente preenchido.
Cinco minutos. Um velho que havia chegado por ali por volta de meia hora atrás, como fazia sempre ao entardecer, observa com olhar triste a natureza silenciosa, mais empobrecida, sem o voo e o canto dos passarinhos, sem o murmurejar das folhagens. Já não enxergava o outono porque este não existia mais, havia acabado de partir nas últimas folhas secas que foram levadas pelo vento, espalhadas pelo ar. Não era mais outono, sabia. E não podia haver outono sem as folhagens secas tomando conta do jardim, despencando do arvoredo. E se já não era aquela estação, então qual o mistério existente nessa passagem da morte para o renascimento?
O velho levantou, já ia embora. Deu uma última volta pelos canteiros e olhou adiante no horizonte, por trás das montanhas. E olhou porque sentiu no rosto a chegada de um vento diferente, mais frio, outro aspecto de ar, algo novo na atmosfera. E sorriu porque sabia que era o inverno que já estava chegando e a vida, em ciclos, continuava.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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