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quinta-feira, 29 de março de 2012

OS CORONÉIS AMADIANOS (Crônica)

                               
                           Rangel Alves da Costa*


A obra do genial escritor baiano Jorge Amado, falecido em 2001, é toda ela construída a partir de personagens fora dos padrões normais do mundo fictício. Ora, mas se poderia afirmar que são apenas meninos, prostitutas, gente de terreiro de umbanda e candomblé, coronéis, jagunços, comerciantes árabes e turcos, políticos e uma gama de espertalhões.
Sim, mas são caracterizados de forma tão peculiar que o menino de rua não é apenas aquele desvalido que vaga sem norte pelas ruas e ladeiras, mas o ser já engajado na luta, com ideologias e claros objetivos, ainda que sempre impossibilitados pelas circunstâncias. A prostituta não é simplesmente aquela meretriz comerciante do prazer sexual, mas uma mulher que se torna importante pela influência e poder de manipulação que passa a ter diante de seus poderosos fregueses.
Contudo, o que se sobressai com maior relevância é a forma como Jorge Amado elabora e caracteriza os seus coronéis cacaueiros, senhores da paz e da guerra, do amor e do ódio, de intrigas familiares e apaziguamentos, mas todos com a sina de desbravadores, como a dizer que pelo bem ou pelo mal foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento de grande parte do Nordeste, principalmente do interior baiano.
Personagens sim, cujas ações eram tecidas no imaginário do escritor, mas de modo tão realístico que chegavam a ser palpáveis, reconhecíveis nos rincões cacaueiros, realmente existentes num dado lugar, comandando, dirigindo, impondo, ordenando. Porém nada fruto do acaso, da verve fecundamente criativa, mas numa construção baseada em personagens que realmente existiram e sobre os quais Jorge Amado tinha tanto conhecimento e até relacionamento.
Por isso mesmo que a obra amadiana, no contexto do mundo cacaueiro, do coronel e do jagunço, pode ser classificada como vicção, e não meramente ficção. Cunhei o termo vicção para apontar um gênero literário onde a trama romanceada é recheada de memórias, da interação realista entre o escritor e determinados personagens, das pessoas em si sendo transportadas para o romance.
E Jorge Amado fazia esse transporte do personagem real para o ser ficional como nenhum outro. A partir da vicção, porque conheceu muitos coronéis, pesquisou seus hábitos e costumes, seus modos de impor mandonismos e muito mais, em muitos romances nem procura disfarçar muito o coronel retratado. Numa simples leitura e algumas pessoas já afirmam convictas que aquele personagem se trata daquela lendária figura de Ilhéus ou de Itabuna.
O coronel João Amado, seu pai, mas também os coronéis de “Tocaia Grande” Elias Daltro, Boaventura Andrade, Hermengildo Cabuçu e Robustiano de Araújo, dentre outros; os de “Cacau”, Manuel Misael de Sousa Teles, Chico Arruda e Henrique Silva; de “São Jorge dos Ilhéus”, Maneca Dantas, Sinhô Badaró, Horácio da Silveira e Frederico Pinto; de “Gabriela, Cravo e Canela”, Ramiro Bastos e Amâncio Leal. Contudo, muitos outros coronéis povoam o universo amadiano.
Daí que aquele senhor vestido de terno de linho branco, chapéu impecável na cabeça, muitas vezes de bigode finamente cuidado, fumando charutos importados ou baforando cachimbos de fumaça inebriante, carregando uma bengala de ponta dourada ou não, é, na obra amadiana, personagem e pessoa famosa, que realmente existiu, que abriu os caminhos da região cacaueira a partir da tocaia grande, do medo espalhado, da conquista forçada, de tanto sangue derramado.
Como bem traça Jorge Amada nos seus livros, o coronel mulherengo, raparigueiro, adepto dos bordéis e protetor e amigo das grandes cafetinas, do mesmo modo era na vida real e perante aquele que estava sendo retratado. Do mesmo jeito o coronel arrogante, violento, cheio de inimizades com outros do mesmo quilate, sustentado na força do jagunço e na traição da clavinote. Quantos coronéis, nos livros e na vida, não devastaram os sertões, enriqueceram, se tornaram imensamente poderosos, através das mãos covardes e certeiras dos jagunços?
Por isso mesmo dizem que os coronéis Ramiro Bastos, Horácio da Silveira e Sinhô Badaró, foram nomeados assim por Jorge Amado apenas para não citar o nome verdadeiro desses senhores cuja saga no mundo cacaueiro é um verdadeiro épico de luta, ódio e conquista.


Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com       

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