SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 26 de março de 2012

ESPERANDO A CHUVA (Crônica)

                                   Rangel Alves da Costa*


Quando completa um ano sem chover todo o sertão começa a desesperar; se passa de dois então tudo já se transforma em dor, sofrimento e agonia; mais que isso é ver os retirantes pelas estradas empoeiradas, as taperas com suas portas batendo, as ossadas dos animais espalhadas palmo a palmo.
A seca é assim, maltrata demais, deixa o sertanejo sem saber o que fazer. Olha adiante e só enxerga a terra ressequida, quente igual braseiro; o ar toma uma feição de fornalha ardente; os restos de folhagens são levados pelas ventanias, os troncos vão se juntando por todo lugar. E pelo que a barra no horizonte mostra, tão cedo a chuva não chegará.
Os mais velhos se reúnem em conferência matuta para discutir sobre a situação, para saber se aqueles que são profetas da chuva podem dar alguma esperança. Um diz que não viu a folhagem dançando a dança da chuva, outro diz que colocou um pedaço de vento dentro de uma garrafa e nada dela escurecer, e ainda outro diz que andou pelos matos e não encontrou nenhum cágado saindo de sua toca. E se cágado não sai da sua toca então é porque não vem trovoada mesmo.
Após a conferência dos sábios sertanejos, cuja deliberação foi a mais entristecedora possível, pois chegaram à dolorosa conclusão de que realmente não há qualquer previsão de chuvas, tal entendimento logo é espalhado pelas esquinas, embaixo dos pés de paus, calçadas, portas adentro. Todo mundo fica sabendo que a coisa vai ficar bem pior do que já está.
E o incrível, o mais que inesperado, começa a acontecer. Eis que mesmo sabendo de notícia tão triste, ainda assim o povo passa a redobrar os preparativos para esperar a chuva, como se toda a previsão de repente não tivesse nenhuma valia e que sem ninguém esperar a barra vai escurecer, as nuvens vão chegar gordas, mijonas, e o sertão ficará em festa novamente.
E os preparativos para esperar as chuvas envolvem muitos procedimentos. Logicamente que as rezas, as preces, as orações e promessas nunca deixam de existir, mas também são ainda mais repetidas e com mais devoção. O São José, que é o padroeiro das chuvas sertanejas, se torna ainda mais exigido, mais devotado, aclamado. Aumentam os terços, as ladainhas, as procissões, os pedidos de toda ordem e a todos os santos.
Os homens tiram dos escondidos de debaixo da terra as garrafas com grãos de milho e feijão, também de capim de vez em quando. Sobem nos telhados para ajeitar as telhas que estão quebradas; trocam os capins e as folhagens que servem de cobertura às moradias; limpam de foice, pá e enxada a mataria que se formou no leito seco do riachinho. Compram uma garrafa de pinga e deixam nos cantos para a comemoração da chegada da chuva.
Juntamente com os filhos, seguem em direção ao roçado esquecido e começam a derrubar o mato que começa a tomar conta de tudo. As ervas daninhas são destruídas, as cercas são ajeitadas, os arames remendados, os fios presos novamente; levanta-se uma estaca, equilibra-se um mourão, tentam reconstruir do que sobrou do cercadinho que servia como curral. Quem sabe não compra uma vaquinha mais tarde, assim que a chuva chegar?
Numa ida e vinda até a malhada da casinha para olhar o horizonte pela vigésima vez no dia, o matuto ajeita o cabo da enxada, amola o facão e a foice, prepara um novo cantil de cabaça para encher de água. Começa a separar as sementes de melancia e de abóbora, planeja na mente em qual lugar do terreninho vão ser espalhadas. Muitas delas podem ser plantadas no mesmo espaço, mas outras precisam de lugar próprio para vingar e frutificar. E pensa, e planeja, tudo com agonia boa por dentro, uma persistente certeza que não vai passar de amanhã e o tempo começará a mudar.
Ainda não foi nesse dia que o horizonte ficou um pouquinho mais escurecido, mas quem sabe no dia seguinte. E deita sem conseguir dormir direito, pensando nas trovoadas, nos trovões, nos relâmpagos, na natureza barulhando, na terra levantando aquele bafo de vida e as chuvas caindo fortes por todo lugar. E adormece um pouquinho sonhando com tudo isso.
Às quatro da manhã levanta assustado. Ouviu um barulho estranho, muito parecido com um trovejar, mas a alegria é tão grande que não pode acreditar. Levanta apressado, sai correndo barraco afora, e ao abrir a porta e olhar adiante nem acredita no que vê. Apenas se benze e diz: “Grande é o Deus do sertão e do sertanejo”.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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