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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 31 de março de 2012

ALCINO E O DIÁRIO DA VIDA (Crônica)

                            
                               Rangel Alves da Costa*


Quietinho, se recuperando aos poucos no leito hospitalar – e juro que daria tudo na vida para trocá-lo por uma rede num sombreado de arvoredo ou mesmo por esteira em noite enluarada -, talvez esteja ouvindo o ecoar distante do som da viola caipira, da harmonia cantante de Tonico e Tinoco, dos quais é incomparável admirador.
Mas também pode ser que na sua mente esteja uma velha radiola tocando música que ao mesmo tempo retrata seu lado radialista e também sua verve compositora, em letra de sua autoria que Dino Franco musicou e brilhantemente canta ao lado de Mouraí:
“No nordeste brasileiro/ Uma onda se espalhou/ Na voz da Rádio Xingó/ Com seu apresentador/ Foi uma benção divina/ A um povo sofredor/ O violeiro cantando/ Sertão, viola e amor/ O cavaquinho do samba/ Num canto se encostou/ O tamborim fez silêncio/ Pra longe se retirou/ A natureza sorriu/ Ouvindo seu trovador/ No rádio leu-se a mensagem/ Sertão, viola e amor/ Cantigas e mais cantigas/ De um tempo que já passou/ As trovas apaixonadas/ Do poeta cantador/ Histórias de vaquejadas/ Maravilhas, sim senhor/ Me alegra quando ouço/ Sertão, viola e amor/ No nordeste, leste, oeste/ O povo se admirou/ Ouvindo a Rádio Xingó/ E seus poemas de amor/ Canta, canta minha gente/ Pois violeiro também sou/ O Brasil todo conhece/ Sertão, viola e amor” (“Sertão, viola e amor”, de Alcino Alves Costa e Dino Franco).
Mas se eu pudesse, assim como filho que conhece suas preferências, cantaria baixinho no seu ouvido uma velha canção sertaneja composta por ele lá pelos idos dos anos 70, que deu nome a disco de Clemilda em 1973 e fez enorme sucesso, tratando dessa imensa fé e religiosidade do povo sertanejo. O velho poeta certamente que gostaria de ouvir sua “Seca Desalmada”:
“Visitei o Juazeiro que fica lá no sertão/ Havia muito romeiro escutando um sermão/ Eu também fui escutar/ Prestei bastante atenção/ Perguntei quem era o padre/ Meu Padim Frei Damião que vinha da eternidade/ Pra salvar o meu sertão/ O sertão está passando uma grande provação/ É a seca desalmada acabando com o cristão/ Mas temos um defensor/ Meu Padim Frei Damião/ Padim Ciço Foi embora/ Para o céu Deus o levou/ O romeiro do sertão de tristeza até chorou/ Mas agora vive alegre/ O santo Padre voltou”.
Outro retrato não é senão desse sertão tão seu, decidindo um dia desmontar de vez do galope atravessado da política e subir no lombo manso de qualquer montaria que o fizesse cortar vereda e caatinga, encontrar o verdadeiro homem, conhecer a verdadeira história, e depois contar tudo a seu modo, num palavreado sempre lírico, poético, tão cheiroso como o perfume do mato.
Mas Alcino, o poeta sertanejo, o bardo da saga nordestina, continua ainda na estrada em busca das conclusões para tantas dúvidas ainda existentes. Por enquanto, ferido na alma por espinho de quipá ou talvez ponta de mandacaru antigo, repousa na tapera dos homens bons que preservam a vida. Apenas lutam pela preservação, pois sobre toda conservação somente Deus saberá.
A tapera é mais distante, ali não tem uma lua bonita como o sertão de lá, não há amanhecer com cantar passarinheiro nem violeiro no vinil a lhe dar prazer em viver. Nessa tapera de outro barro, bonito, vistoso, todo iluminado, também não tem aquela boa vizinhança com seus amigos que se avolumam noutra estante agora também silenciosa à espera do retorno do seu amigo pesquisador.
Digo aos livros que não entristeçam não; os coiteiros preparem o caminho para o retorno do herói, cangaceiros, jagunços e volante baixem as armas para a festa da alegria; beatos e missionários estendam suas cruzes, os crentes na divina providência cantem o seu louvor pela vitória da vida. Pelo mesmo caminho que o fez sair apressado, retornará calmamente para cumprir com o restante de sua missão.
Ah, os amigos estão ansiosos para esse dia chegar, o instante do retorno, o reinício da vida que resta viver, talvez o começo pela metade. E já tem gente indo naquela direção, já andando pela mataria rumo a Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo para abraçar o amigo, cada um portando no coração a arma mais poderosa do mundo que é a fé. A fé em Deus.
Ivanildo Silveira, Juliana e Júlio Ischiara, Paulo Gastão, Manoel Severo, Rostand de Medeiros, Kiko Monteiro, José Mendes Pereira, Carlos Eduardo, Rubinho, Aderbal Nogueira, Professora Luitgarde, João de Sousa Lima, Lemuel Rodrigues, Anildomá Willians, Arquimedes Marques e tantos outros e muitos mais, já guarnecem seus embornais, seus alforjes, já pingam água nos seus cantis para não perder o foguetório. E vai ter pífano e viola, aboio e toada, e um sertão todo contente porque seu filho estará voltando.
E logo chegará esse dia. Por enquanto Alcino ainda descansa nessa tapera improvisada, se recuperando dos sustos do tempo e buscando as forças necessárias para preencher as páginas da vida que ainda estão em branco.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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